sexta-feira, 31 de maio de 2013

O espelho de Laura.

 Norman Rocwell, Girl at the mirror, 1954


                                                         O espelho de Laura

 Há dias que vivem bem connosco, outros que nem por isso. Há dias que a imagem que o espelho nos devolve é exatamente aquela que queríamos ver. Há dias que o espelho mudou de lugar e, outros ainda, que o espelho nos devolve a pessoa que pensamos ser. O espelho olha-nos incrédulo e nós que pensávamos ver a nossa imagem, ao contrário: o lado direito no lado esquerdo e o lado esquerdo no lado direito, vemos a nossa alma de pernas para o ar. Há dias. Há espelhos. Acreditamos. Acontece. Parece muito simples. E há a Laura. Hoje, Laura gostou de si. Gostou do que viu ao espelho, gostou do jeito, dos olhos e da ilusão. Gostou. Talvez porque as dores tivessem desaparecido, talvez por pensar que se repetirmos, muitas vezes, uma ideia, uma ilusão, um desejo, acabamos por acreditar que acontece. Laura acreditava que tudo poderia acontecer, se acreditasse. Acreditar, apenas. Talvez.  Acreditava que aquele poderia ser um dia igual a outros. Um dia normal. Trabalho. Papéis. Sonhos. Compras. Um café com um amigo. Não estava mal aquela imagem de Laura ao espelho. Não, não estava. Saiu. Enrolou o sorriso num sorriso mais bonito  e quis fazer com o domingo um dia feliz. Em paz, compraria o jornal. Conversaria. Talvez encontrasse alguma resposta. Alguma cara conhecida. Talvez. E encontrou. Perfeito. Melhor: foi encontrada por um rosto de felicidade roubada, às claras, à felicidade de alguém. Sorriso satisfeito, rasgado, triunfante. Um sorriso feliz com os dentes à mostra. Um sorriso rodeado de amigos, de família satisfeita. Ficou com a imagem que vira ao espelho e de que tanto gostara  virada ao contrário. De repente, ficou reduzida a pó, menos que pó, menos que nada. Não ela não deveria estar naquela fotografia: aquelas pessoas não lhe pertenciam. Aquele lugar feliz não era seu. Laura não conseguiu evitar as lágrimas. O soluço estalou na sua boca. De soslaio, olhou para a sua imagem refletida num outro espelho – o vidro de uma montra serviu. Estava distorcida e sem cor. A verdade em que queria acreditar, afinal, era uma felicidade que não lhe pertencia. Cravou as unhas nas mãos fechadas. Ergueu a cabeça. Engoliu o tempo e o sonho. Apressou-se. Desceu a escada rolante. Fugiu para a porta de saída. O frio e a infelicidade apanharam-na de surpresa. Seguiria para casa. Arrumaria em qualquer lugar a fotografia que acabara de encontrar. Pensou em várias respostas. Escrever-lhe-ia. Poderia escrever-lhe uma carta de amor. Laura lembrou-se que ele gostava das suas cartas. Cartas de amor. Sim. Arranjaria uma desculpa e escreveria uma carta de amor. Laura gostava de acreditar e de escrever. O frio que lhe entrou pelo decote da camisa acordou-a do torpor magoado. Não. Hoje, Laura não faria nada disso. Chegaria a casa, olharia para o espelho e perguntaria pela Laura. A Laura que há algumas horas ali estivera, naquele mesmo lugar, à frente daquele espelho. A Laura tão sorridente e a acreditar.” Espelho, viste a Laura?”

(Então, espelho, não respondes?)
 
(texto publicado no FB em março de 2013 e agora rescrito para publicação a 31 de maio de 2013)

quinta-feira, 30 de maio de 2013




 
Roberto Chichorro,Maria de seu Nome




Chove. Há pouco dizia que os jacarandás azulavam uma das cidades da minha infância. Em maio, às vezes, em abril, já se viam impassíveis as flores a abrirem-se ao sol, do sul. Os  jacarandás chegavam-se  a nós e a todos os nossos sentidos. Chove. Na minha rua, nesta cidade que agora me pertence também há jacarandás. Sorriem para o Tejo. Mas há uma película de água que se agarrou às janelas, às portas, às paredes, ao chão. Transparente cobre as flores dos Jacarandás. Rente ao chão, mistura-se com a seiva das flores azuis. O Tejo vestiu-se de cinzento e empurrou para longe o azul. De uma janela de um edifício moderno, neste fim de tarde, não se avista a margem sul do Tejo. No sofá, enterrada e encolhida, espero que me chamem. Manchas encarnadas nas paredes amarelas. Sentada, olho a chuva. A névoa colada aos vidros. Regresso aos jacarandás e às ruas da minha cidade ao sol e à beira-ria. Chamam um doente e depois outro. Espero o meu nome. A conversa atravessa programas de televisão, vidas que não conheço. A minha vez tarda. Jacarandás azuis, paredes amarelas, um Tejo que não se distingue e pessoas que não conheço. “ Na escola primária onde fiz o exame da 4ª havia uns extraordinários jacarandás”, acrescento ao tumulto provocado pela estrela de televisão na primeira página da revista. “ Passei a minha infância ao sul a ver os jacarandás florirem. “ Entra outro doente. Impaciento-me no estofo, na chuva e no vento que abana as árvores no pátio amplo e moderno. Sala de espera virada para o rio. Escurece. Um minuto e o azul-jacarandá será cor da noite e do frio. A espera afasta a memória feliz de uma cidade azul, no mês de maio. Continua a chover. Morrem as cores alegres, a partir desta janela. Fim de uma tarde com chuva e sem candura. Pensar nas cores alfazema-azulada, azul-jacarandá, lilás-jacarandá e esperar. 

 

quarta-feira, 29 de maio de 2013

As flores amarelas

Manuel San Payo
 
 
 
 
 
O Manuel San Payo desenhou estes gladíolos e ofereceu-mos. Ou serão amores-perfeitos?
Bonitas as tuas flores. Estas minhas flores são amarelas.
Tenho um gosto, uma preferência, uma alegria por flores amarelas, desde que me entendo como gente a gostar de alguma coisa. É-me indiferente serem rosas, cravos, mimosas, gerberas, gladíolos... Qualquer flor amarela me põe os olhos a brilhar. Fernando Pessoa, ou será o Caeiro? (Não me lembro). Um deles dizia que "é triste pôr flores em jarras". Sim, se só olharmos e virmos flores em jarras. Eu gosto de ter a casa cheia de flores amarelas. Fazem-me companhia e  iluminam o ar que respiro. Gosto de as trazer com muito cuidado, embrulhadas em papel de florista. Escolher a jarra, a prateleira, a mesa, onde as vou mostrar. Mudo-lhes a água, afasto-as ou aproximo-as da luz, apanho as pétalas que morrem, conto-lhes o meu dia. Falo-lhes como se fala  com as flores. Uma lista das minhas coisas preferidas, dos meus segredos, dos meus cantores, da minha música, das minhas alegrias, das minhas tristezas:  em primeiro lugar, gosto número um, flores amarelas, gosto número dois, rosas amarelas, em botão, de preferência. Malmequeres também estão bem. Haverá neste meu gosto uma explicação num compêndio de botânica ou de  filosofia. Haverá. A minha  é muito simples: gosto de flores amarelas, porque sim, porque me trazem sol, porque me lembram gargalhadas, pão quente e um canto da sala da casa da minha Avó, onde havia sempre flores. Nem sempre amarelas. Quando ponho as flores em água, vou até ao tempo em que o meu Avô oferecia flores à minha Avó. Os pensamentos que me levam até à jarra de porcelana da sala da minha infância são felizes, a cheirar a marmelada e a  barrela feita no fogão para melhor dissolver o sabão e as nódoas. Há nestas memórias um colo e um abraço de dois amigos que não se veem há muito tempo. Um calor bom. Um calor de um sol à beira de um rio. Na primavera. Um maio que me leva para um lugar secreto de histórias, rendas, biscoitos e lápis de cera. A  cheirar a flores amarelas. Quando trago para casa flores amarelas e escolho uma jarra transparente é uma história que estou a contar, melhor, é uma história que estou a inventar. Com um final feliz. 
As flores amarelas murcham. Mas eu insisto em mudar-lhes a água todos os dias.

terça-feira, 28 de maio de 2013

GRACEFUL TOUCH — Tord Gustavsen trio


Menez, Ruy Belo e Tord Gustavsen Trio - a minha homenagem A Mia Couto



 Menez (sem título)




                                            Orla Marítima

O tempo das suaves raparigas

É junto ao mar ao longo da avenida

ao sol dos solitários dias de dezembro

Tudo ali pára como nas fotografias

É a tarde de agosto o rio a música o teu rosto

Alegre e jovem ainda quando tudo ia mudar

És tu surges de branco pela rua antigamente

Noite iluminada noite de nuvens ó melhor mulher

(e nos alpes o cansado humanista canta alegremente)

“Mudança possui tudo?” Nada muda

nem sequer o cultor dos sistemáticos cuidados

 levanta a dobra da tragédia nestas brancas horas

Deus anda à beira de água de calça arregaçada

Como um homem se deita como um homem se levanta

Somos crianças feitas para grandes férias

pássaros pedradas de calor

atiradas ao frio em redor

pássaros compêndios de vida

e morte resumida agasalhada em asas

Ali fica o retrato destes dias

gestos e pensamentos tudo fixo

Manhã dos outros não nossa manhã

pagão solar de uma alegria

De terra vem a água a alma

o tempo é a maré que leva e traz

o mar às praias onde eternamente somos

Sabemos agora em que medida merecemos a vida

Ruy Belo, O Tempo das Suaves Raparigas e Outros Poemas de Amor

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Um novo dia, que mais poderá ser?


So Nice (HQ-HD) - Stacey Kent


As palavras para os poetas



 




















Daniel Blaufuks





Do que a vida poderia ter sido

Os amigos juntam-se e falam do passado,
da música que já não se ouve na rádio,
do inverno em que choveu semanas a fio
e o  rio saiu das margens para desenhar

nos troncos das árvores os círculos imperfeitos
da idade. Eles sabem para si mesmos que falam
do que nunca existiu: das mulheres
que se renderam para sempre às palavras do amor

das perdizes caindo de asa nas encostas
iluminadas da urze, das corridas memoráveis
do vinte e cinco de abril, das tardes de domingo
que haveriam de envergonhar a uefa

se a televisão estivesse nas finais dos torneios
dos bombeiros voluntários. É disso que os amigos
falam: do que a vida poderia ter sido
se não fosse a filha da puta de vida que foi.
       
                                                                                                                            José Carlos Barros


domingo, 26 de maio de 2013

Infância

                                                                                                                                                Modigliani,Alicce


                                                                         Infância.

É lá que tudo vamos buscar. É de lá que viemos e chegámos inteiros ao que hoje somos. É de lá que trouxemos o pão e o vinho. E o sal. E o riso. É de lá que os sonhos vieram. A infância é a certeza que temos sempre. Somos a Infância que tivemos. Talvez. Sim! Com uma ou outra pincelada e derrota vamos fazendo e desfazendo o rasto das alegrias e tristezas, que na infância nos foi revelado. À infância regressamos como um colo que nunca perdemos. Às memórias vamos buscar a segurança para pisarmos solo novo. Virgem. Os retratos em molduras, as rendas dos vestidos, os laços no cabelo, a arranhadela nos joelhos, o berlinde, o pião, a boneca de papel para vestir, a vergonha das primeiras lágrimas, as primeiras sílabas que juntámos. Pueris. Procuramos os heróis nas linhas de palavras que lemos. Soletrámos. Sublinhámos. Com os dedos, parágrafo a parágrafo. Fugimos para onde  nos quiseram levar - países perdidos ao longe e distantes. Outro tempo. Na infância. Num minuto, tudo muito bem arrumado. Sem nostalgia, não precisamos dela: não se volta ao pião que se lançou, nem à boneca que se rasgou e perdeu a cabeça. Isso não. Nostalgia. Não.
 
É uma pele boa - nossa - por dento e por fora. O lugar  onde voltamos sempre. Onde não podemos chegar, porque nunca de lá saímos. A velha infância.
 
(Boa Tarde)
 
 

sábado, 25 de maio de 2013

Jogos semânticos e a condição humana

René Magritte, A Condição Humana



Fala e depois cala-se. Interroga-se e depois não ouve. Diz, mas depois esquece. Afirma e quer desculpar. Vai atrás das palavras e fica sentado. Nega e faz um pedido. Cresce e desiste de construir. Sofre e ri  dias melhores. Espera e não luta. Cruza os braços, mas grita. Revolta-se e exige silêncio. E de novo fala e cala, interroga e não responde, diz mas depois esquece e quer afirmar e interrogar. Um dia após o outro. De manhã e à noite. No mês seguinte. Uma hora depois. Muda. No minuto seguinte. De manhã e à noite. Um dia e outro dia. Nunca igual. Sempre diferente. Nunca diferente. Sempre igual.

(na senda das palavras a fazer jogos semânticos sobre a condição humana)

sexta-feira, 24 de maio de 2013

"Que mãe, tão pouco mãe, que esta mãe é!"

 
                                           Edward Hopper,Sun in a Empty Room







Há momentos únicos. Carregados de “mágicos cansaços”. Mas mágicos. Íntimos momentos.   Mais ao longe, um muito discreto zunido de frigorífico. Embala. Diz-me que estou em casa. Silêncio quase. São minutos raros de serenidade, reflexos dourados nas paredes da sala onde me sento para ler. Pensar. Partir para outros sonhos. Não fazer. A casa cheira a limpa e arrumada. As casas cheiram diferente ao longo do dia. O fogão já cumpriu. Parei. Nem me atrevo a perturbar o ar. Nem com música. Nem com suspiros. Afasto pensamentos mais ruidosos, saboreio a paz. A cor das paredes vai mudando, ainda não acendo a outra luz. Deixo-me estar. Alma e corpo quase na penumbra. Que o telefone não toque e que à porta ninguém me chame. Neste momento não. Ainda não. A noite há de chegar. Ainda não. Preciso de ficar quieta mais um rasto de ouro que na parede se vai apagando. Quase a apagar-se.


 


(As crianças, entretanto, saíram para acabar o dia - Que mãe, tão pouco mãe, que esta mãe é!)



quinta-feira, 23 de maio de 2013

Ao telefone com Clarice Lispector



Um telefonema

  O telefone tocou, eu atendi, chamaram por mim. Em geral pergunto quem é porque nem sempre estou disposta a ser chateada.
  Mas dessa vez alguma coisa na voz, doce e tímida, me fez dizer que era eu mesma que estava ao telefone. Então a voz disse: sou uma leitora sua e quero que você seja feliz. Perguntei: como é seu nome? Respondeu uma leitora. eu disse: mas eu quero saber seu nome para poder dizê-lo ao desejar que você seja feliz. Mas foi inútil, ela não tinha sequer diante de mim sequer a vontade de aparecer como pessoa que é. Era o anonimato completo. Mas para você, de quem nem ao menos sei o nome, quero que tenha alegrias e que, se já não é casada, que encontre o homem da sua vida. Peço também que não leia tudo o que escrevo porque muitas vezes sou áspera e não quero que você receba minha aspereza.
 
   Clarice  Lispector, A Descoberta do Mundo
 
 
     É claro, que eu não sou a Clarice Lispector, nem tenho o seu talento de exceção, não vivo nem sofro com a mesma intensidade com que ela o fez. Não tenho  pretensões a tanto. No entanto, estivemos a falar ao telefone uma com a outra, distâncias e diferenças salvaguardadas, passo a explicar - hoje, ao abrir a minha página do Facebook - como são distintos os tempos em que ambas vivemos - encontrei de uma "leitora" virtual a seguinte mensagem:
 
 " Gosto tanto daquilo que escreve, das referências que faz a autores de que eu nunca ouvi falar, das músicas que com todos os seus amigos, por aqui, vai partilhando, muitas dessas músicas eu nunca tinha ouvido antes, gosto tanto de a visitar e de agora ler o seu blog, que me dirijo a si, desculpe o atrevimento, para lhe desejar tantas felicidades e alegrias, como alegria e felicidade eu sinto quando a leio e oiço a sua  música.  Não precisa de me fazer sua amiga, porque eu já tenho o que escreve".
 
     Em lágrimas, num ápice, voei para até a um qualquer Olimpo.
O meu coração batia sem ordem. Sentia-me feliz.  A felicidade  da partilha, da entrega, do abraço, da presença de alguém a nosso lado. Anónimo, mas ali. Amizade virtual? Amigos com quem nunca falámos? Nada disto existirá, realmente?
 
Não sei, de momento, não me apetece responder a perguntas difíceis - ainda estou a ler, em voz alta, a mensagem da minha nova amiga. A Clarice  percebeu sem dificuldade a minha alegria e partir de hoje falaremos, ao telefone, com alguma regularidade.
 
 
 

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Matei-te, Alberto.

Peter Ilsted

 Matei-te, Alberto!

 Deixaste de responder às mensagens e de telefonar. Quando, engolindo orgulho e alvoroço, eu telefonava, tu respondias por monossílabos. Às minhas questões colavam-se as tuas evasivas e tinhas sempre qualquer coisa em que pensar, visitas para jantar um trabalho para concluir. Os nossos encontros existiam apenas dentro de mim e ao meu desejo tu respondias: “logo se vê”, “não tenhas pressa”, “controla a tua ansiedade”. Um dia, enquanto tu passeavas pela praia, “para esticar as pernas”- como disseste, numa voz cheia de desculpas, como mais tarde percebi, eu acabava com mil cuidados de rever um trabalho teu. Esticavas as pernas, vias o mar e arrumavas no coração a tua dor. Antiga. Com muitos cuidados, eu relia o teu trabalho. Generosa. Gostavas da minha generosidade. Tu não atendias o telefone. “Não terá rede”, pensava. Tu, Alberto estavas a olhar um mar diferente do meu. Partiste nesse dia. Sem aviso. Diminui de tamanho, os meus versos perderam o brilho, a poesia que líamos um ao outro desapareceu da tua estante e as minhas palavras morreram em silêncio. Adoeci. Voltei ao corpo sem graça, à cabeça sem alegria. Perdi as certezas, tu partiras e eu não entendia. Chorava horas a fio, escutava a tua voz sempre que o telefone tocava. Sentia as tuas mãos. Alberto, fazias-me tanta falta! Precisava da tua presença do teu olhar a perder-se no meu, nem que fosse, apenas, um breve, muito breve momento. “Iremos à praia. Beberemos uma garrafa de vinho”. Sim, Alberto. Prometeras-me as tuas mãos nas minhas: um breve momento teria sido um instante feliz. Tu continuavas longe. Ausente. Nunca mais respondeste uma palavra. Contaste uma história. Riste comigo uma gargalhada. A tristeza tornara-me uma pessoa diferente. A dor misturava os sentimentos. Eu era uma pessoa triste, todos os dias. Sofria a mesma dor, cada vez maior. Insuportável. A primavera tardava. Mas, às vezes, sentava-me ao sol. Escrevia. Escrevia-te uma carta todos os dias. Imaginei caminhos. Construí sítios, céus e pessoas. E chorava.

Olha, Alberto ainda sonho contigo. A primavera ainda não chegou. E eu não gosto do mês de maio. Mas já não tenho as mesmas lágrimas. Estou cansada e tenho frio. Agora, a tua felicidade é outro lugar. As palavras estão carregadas de magia e o mar do Guincho continua a rir na única fotografia que tirámos. Um único instante teria bastado. Um segundo entre o pôr-do-sol e a noite. As minhas mãos nas tuas, Alberto. O momento rápido de uma carícia esquiva. Teria sido tão pouco. Teria sido tudo. Mas, Alberto, tu não percebeste. Não quiseste. Não sentiste.

Perdeste-me Alberto, por isso, agora, vou matar-te. Matar-te-ei para sempre e tu nunca mais ouvirás falar de mim.

 





 

terça-feira, 21 de maio de 2013

Vir aqui todos os dias.

"Vem só ao blog, quando te apetecer, quando te der prazer. Não faças 'disto' uma obrigação" -  disseram-me as vozes mais sábias, que já andam nestas coisas há mais tempo do que eu. Tinham razão, têm razão. Mas o apelo da página - do écran - em branco é mais forte e, não sendo uma obrigação, é um gosto, um desejo muito grande, uma curiosidade ( a mesma que matou o gato, suponho), uma alegria, uma vontade de descobrir que teclas farei dançar sobre os meus dedos. E, chegada a este ponto, creio que o que se passa comigo, perante a página em branco, chamemos-lhe assim, deve ser o mesmo que o escritor pensa, sente quando "ouve vozes", "uma personagem salta do teclado", "uma história  lhe começa a aparecer na cabeça" ou, muito simplesmente, se senta diante da folha em branco sem nenhum plano traçado, nem nenhum enredo definido ou esboçado. Senta-se, começa a escrever e pronto. Parece muito simples, parece que a escrita é uma manifestação intelectual (que expressão pomposa) que surge por artes mágicas, ou ao sabor dos humores do escritor, do escrevente (como dizia já não me lembro quem) e, agora, do escrevinhador de blogs. Sim, é verdade não deixa de haver alguma magia neste processo de transformar palavras em histórias, em pessoas, em lugares distantes, em mundo desconhecidos. Mas, ao lado da magia, do mistério que deve ser a cabeça de quem escreve, está também a vontade da partilha, o gosto da conversa com alguém, desconhecido, sem rosto, nem identidade, que recebe de olhos bem abertos as histórias, os lugares, que só para si foram inventados. Este deve ser "o supremo encanto da merenda" - o escrever para alguém ler, o escrever que só vale se alguém ler - a justificação e a razão que nos leva (o nós também me inclui) a responder a este tão irresistível apelo. Não pretendendo fazer uma teoria geral sobre quem é quem escreve e o que é escrever e/ou por que é que se escreve,  sinto sempre necessidade e um grande gosto em, ainda que, ingenuamente, trazer estas questões para a discussão, ou para deitar conversa fora - expressão que pela leveza e graça  só pode ter sido inventada pelos brasileiros!
 
Tenho uma amiga, escritora que muito aprecio, que costuma dizer: " Escrevo para que gostem de mim, todos os dias, um bocadinho mais". Arrisco e acrescento que a maioria dos escritores também escreve para ser amado, admirado, elogiado, apreciado, enfim, seja qual for a palavra utilizada, o significado deve ser mais ou menos o mesmo: escrevemos (insisto na primeira pessoa do plural) para que gostem de nós, escrevemos para nos sentirmos amados, escrevemos porque não gostamos de estar sozinhos. Mas o mais perturbador - paradoxal parece-me um palavrão demasiado rebuscado para esta simples reflexão - é que escrever é um ato solitário, só, a sós com o teclado, a folha de papel e as nossas índoles. No momento em que alinho umas linhas, ou desalinho um qualquer universo é a sós que o faço.
 
Talvez seja esta a razão por que venho aqui todos os dias, ou quase todos os dias.
 
( hoje saiu-me assim: sentei-me e pronto)
 

domingo, 19 de maio de 2013

Amor incondicional

 
   Primeiro recebemos a notícia, a boa notícia. Satisfeito o desejo, veio o que pedimos: a bênção. Ficamos à espera numa ansiedade única e que só nós conhecemos. Virá bem? Estará inteiro? Enxuto? Quando acaba a espera, nascem bons, nascem rosados, a cheirar a leite e a ternura. Exigem colo, roubam noites e luz   como se  e o  quotidiano deixasse de nos pertencer. Inventamos outro,  alteramos a duração das horas e a cor do sol. Clareamos as sombras. Não quiseram  nada, mas tudo nos pedem. Nós oferecemos. Felizes. Gostamos de dar, vamos construindo um amor -  o Amor - incondicional e eterno, enquanto vivermos. Suspendemos as nossas gargalhadas e rimos das primeiras palavras. Quando aprendem a ler e a distinguir o mundo que cresce com eles, percebemos o olhar noutra direção. É assim: a vida que se constrói como a nossa se cumpriu, o tempo fará o que nós não soubermos fazer. Não nos queixamos das dores, refletimos e interrogamos o coração e a razão em todos os minutos os de agora e os de amanhã.
   A um tempo, sem aviso, deixam de caber na moldura, na cama e no dia seguinte. Percebemos a mudança, choramos as alegrias, entendemos as ansiedades e a perplexidade perante o corpo que não controlam. Tudo questionam e começam a falar uma língua diferente da nossa. Conversamos e procuramos todas as palavras, todos os significados em todas as gramáticas. Estão distantes e não querem que nos aproximemos. Não gostam do que ensinamos, nem do que fazemos, nem do que amamos, nem do que cozinhamos. Cospem os conselhos sem bondade e sem delicadeza. A vida que não compreendem é uma ameaça obediente a um horário. Uma vida  de tarefas que insistem em não fazer. Não fazem, não gostam de fazer, não cumprem, não respondem, vivem, um dia e outro dia, debaixo de um céu sem estrelas. Se chove, no momento a seguir, faz sol - como na canção -, protestam, perdem os sapatos, espalham os livros, as mágoas e a roupa suja. As palavras, sempre numa língua diferente, são sons surdos, vazios e carregados de silêncios. Às vezes vem um grito. Outras vezes, um pedido, outras vezes, ainda, encolhem os ombros. Suspiram pela amiga com a mesma certeza com que espremem a última borbulha.  Não esquecem o colo, mas não precisam dele para nada -  insistem em lembrar-nos. Não. Não. Não. Como o sim de uma promessa que temos de cumprir. Nós ficamos com o Amor, à espera que um outro tempo surja. Eles também. Não sabemos como serão os dias que - ainda -  nos pertencem. Desses dias nada sabemos. Eles também não. Da vida sabem tão pouco!
Aqui, deste lado, pensamos:" Que sejam do bem." Porque foi só isso que para eles sonhámos.


sábado, 18 de maio de 2013

Uma sugestão. Um recado.



   [...]Uma música chega de longe. Uma música que não é tocada, apenas ouvida. Uma música que entra pela janela e é sentir ou lembrança de alguém que já passou e por lá ficou, na música. Uma melodia é o mais belo epitáfio que se pode almejar.[...]

                                                                                             Nuno Camarneiro, No Meu Peito Não Cabem Pássaros

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Está sol a sul

Nascer do Sol, Claude Monet.




“Está sol no sul. Um bom dia para ti e abraços mais logo. Beijo.”

- Guarda essas palavras no teu coração, mana.

- Em que outro sítio as poderia guardar?

- Não sei, tu tens de passar sempre tudo a limpo, tens de organizar tudo. Só sabes sentir com a cabeça!

- Estás a exagerar, eu sou só emoção, lamechice, coração, festinhas e abraços.

- Talvez, depois de passar tudo pelo crivo do teu coração. Deixa-te ir. Arrumarás as tuas “coisinhas” amanhã.

- Não percebeste nada. Há muito tempo que não recebia  um sms assim.

- E tens deixado? Por acaso, lembraste dos conselhos que me deste?

- Sou muito má conselheira!

- Não me parece. Depois de escalpelizares tudo até ao mais ínfimo pormenor, depois de “processares” tudo, como tu gostas de dizer, depois da cabeça, dizes tu, arrumada, então sim, permites algumas tréguas a ti própria.

 - Oh, mana, fazes de mim um monstro.

- E não és?

 - Não, não sou. Sou normal, ressentida, ressabiada, cautelosa, tu conheces-me muito bem. Às vezes, não tens razão.

- Eu só te disse para guardares as palavras no teu coração. E que tal o sexo? Suponho que ainda gostes de sexo, não?

 - Parva!

- E que tal o sexo?

 - É bom. Eu gosto. Gosto das mãos, mas conheço pouco.

 - Vês?! Lá estás tu! Deixa tudo acontecer, deixa fluir. Deixa a tua cabeça em paz. Gostas das mãos aproveita as mãos, sem grandes teorias.

 - Se pensas que te vou contar, estás muito enganada!

 - Não precisas de me contar nada! Mas se quiseres sou boa ouvinte…

 - Quando passa a palma da mão….

- Ficaste com os olhos a brilhar.

 - Fiquei?

- Sim. Isso é bom. Já te disse: “guarda as palavras no teu coração”.

- Achas que ando com um sorriso estúpido na cara?

 - Acho!

 - Nota-se assim tanto?

- Nota-se. Não te preocupes.

 - Como a história do pirilampo e da cobra?

- Exatamente.

- Quem sou eu?

- Como se tu não soubesses!? És o pirilampo, mas há poucas cobras à tua volta.

 - Não sei se concordo contigo.

 - Há poucas cobras, porque não sabem nada do teu brilho. Não lhes digas nada, se faz favor.

 - Não, só falo contigo.

 - Acho bem, afinal, já sou tua amiga -irmã há muitos desgostos.

 - Desgostos de ambas.

 - Sim, desgostos de ambas.

 - Gargalhadas?!

 - Também. As nossas gargalhadas incomodam muitas cobras..

 - Ui! Achas que me ajeito com esta “coisa” da escrita?

 - Acho. Sempre te disse isso, mas tu és muito preguiçosa.

 - Não sou nada. Tenho a lucidez de quem já leu muitos livros!

 - Pois. E és professora de Literatura e ensinas gramática e blá, blá, blá….

- Tens de arriscar. Faz de conta que é assim como uma relação amorosa.

  - Ai, agora estragaste tudo: o exemplo da relação amorosa não é dos melhores. Dizes que eu amo com a cabeça!

  - E amas.

  - Então terei de escrever com a cabeça?!

 - Geralmente é aí que tudo começa.

 - Perdi o fio do teu raciocínio. Em que ficamos?

 -É muito simples: amas com o corpo, com o coração e escreves com a cabeça.

 - E o resultado será bom?

 - Isso terás de ser tu a descobrir.

 - Boa. Não sei por que é que estou para aqui a conversar contigo. Tu nem sequer és grande exemplo…

 - O que não me impede de dar bons conselhos.

 - Pois.

 - Não consegues dizer mais nada?

- Não.

 - Fiquei a pensar em corações, em abraços, em pele contra pele, em beijos….

 - Pronto, já aí tens muito assunto para a tua escrita.

 - E que faço à cabeça?

  - Dói-te?

 - Não gozes.

 - Não estou a gozar. Queres que volte ao pirilampo e à borboleta, ou aos riscos que TENS de correr?

 - Que é que faço aos sms e às cartas de amor? Nem sei se são de amor….

 - Guarda-as no teu coração e, aqui e ali, podes usá-las na tua escrita.

 - E isso não é desonesto?

 - Não me parece. Com é que achas que fazem todos os escritores?

 - Não sei, se calhar tens razão. Ninguém sabe da nossa vida, ninguém conhece a nossa vida como nós próprios.

  - Aí tens. Estás à espera….

 - Não estou à espera. Procuro um fio, uma linha…

 - Fio? Linha? Falamos de escrita, não falamos de arrumações, nem de listas de compras.

- Então começo a escrever e depois logo se vê?!

  - É um começo…

 - Queres que te leia o outro sms?

 - Não, não quero, mas tu vais lê-lo na mesma.

(os sms   ficaram por ali o que não a impediu de continuar a escrever e de ver o sol  a sul)



quinta-feira, 16 de maio de 2013

O passar do tempo.
 Víamos  as mãos, olhávamos as mãos. Os nós dos dedos, como os  nós muito apertados dos marinheiros, os dedos longos mexiam-se de um lado para o outro, torciam-se ávidos, sequiosos e cansados. Cruzava as mãos ao ritmo do bater do seu coração. Cruzava as mãos, nunca um verbo lhe parecia tão apropriado. Cruzar. Cruzava as mãos. Em seguida, víamos as unhas como garras, curvas, rijas e amarelas do desespero de um cigarro e outro e outro, muitos cigarros, desde sempre, desde menina. Aqui e ali, o escarlate do verniz estalara, descascara o brilho, permanecia a sombra de uma vaidade que a acompanhava desde sempre. Uma paleta de cores as unhas, as mãos e as sardas a terminar nos dedos. Ainda brancas e transparentes, as suas mãos tinham apertado muitas outras, acariciado muitas cabeças, selado promessas, exigido sonhos, tirado gemidos de prazer, lavado muita água. Agora, guardavam como um ranço o perfume de outras vidas. Agora, olhávamos as mãos e percebíamos as outras cores, as sombras dos gestos, as hesitações das palavras, o desbotado do cabelo. Os cabelos brancos não desistiam de crescer e as lágrimas eram  o único brilho dos olhos desesperançados. O olhar, às vezes sossegava, outras vezes fugia para longe. Quando se acendiam as marcas de desgostos antigos, as mãos tremiam e o sorriso amolecia, amarelecia e silenciava-lhe o suspiro que ainda lhe apertava o peito. Quando olhávamos para as mãos, compreendíamos a dor, percebíamos o cansaço, conseguíamos medir o tempo.

quarta-feira, 15 de maio de 2013



  Os gatos resguardam-se da chuva. 
  Alguém diz o teu nome à janela, 
  olhando as aves que partem para o sul.


    Há uma memória embaciada em outro outono,
  cinzas no pátio,
   o cheiro de alguma coisa que morre, mas não dói. 

                                                                                   Maria do Rosário Pedreira, Poesia reunida

terça-feira, 14 de maio de 2013



202- Sol bonito, deixa-te  estar. Andaste estes dias todos na vadiagem nefelibata, vieste enfim. Não te vás sol. Sol português, tens as tuas obrigações para com a nossa identidade nacional, não nos deixes à mercê de um polícia que nos pilhe sem identificação.
E ficas bem, deitado  como um cão luminoso...
                                                                                                                                                       
                                                                                                                                Vergílio Ferreira,Saber

segunda-feira, 13 de maio de 2013

 - Precisas de alguma coisa?
 -  Não, muito obrigada, ainda tenho o meu copo de vinho.
 - Posso trazer-te um pouco de céu? Uma nuvem? Uma fatia de pão com manteiga?
 - Não ,obrigada, tenho tudo....
 - Para ser feliz?
 - Sim.
 - E és feliz?
 - Não.
 - Porquê?
 - Por isso mesmo!

( cai o pano)

dasplavrasaspalavras



"Este livro é de um morto. Este livro é do meu morto.
 Que os vivos passem adiante." Florbela Espanca

domingo, 12 de maio de 2013

Recomeçar


Boa tarde  ...

E, agora, já sou muito moderna, com a ajuda dos meus amigos - quem mais poderia ser? - comecei a fazer um blog.
Escreverei tudo o que me apetecer.

Lisboa não sejas francesa

"Lisboa não sejas francesa com toda a certeza não vais ser feliz", reza o fado cantado pela Amália, no século XIX, por outras palavras, Eça de Queiroz, fazia o mesmo pedido e referia como nós portugueses somos tão provincianos e atrasados que consideramos apenas o que vem do estrangeiro. Se for inglês, francês, alemão e, agora, chinês, é bom de certeza. Se for chinês tem duas qualidades: é barato e estrangeiro. Não sei de onde nos vem esta mania, mas ela ainda nos caracteriza. Nós portugueses não consumimos, não defendemos, não amamos o que é nosso. Não lemos os nossos romances, não vemos os nossos filmes, não conhecemos a nossa poesia (ficámos no Camões porque não tinha um olho; no Bocage porque contava anedotas e no Pessoa porque foi moda, mais ou menos como a Nespresso e o George Clooney), não conhecemos os nossos pintores, não ouvimos os nossos músicos - exceção para o Tony e os tampões da Joana-, de escultura portuguesa nunca ouvimos falar e não sabemos soletrar o nome - em português - de um cientista que se destaque "nesta ditosa Pátria minha amada". Mas devoramos tudo o que seja estrangeiro. Das sombras de Grey ao Häggen Dazz, do Nicholas Sparks ao Código da Vinci, do Conan O'Brian ao algodão turco. Tudo o que tenha um nome difícil de pronunciar e/ou já tenha "passado"na televisão. De arrepiar o espaço que em qualquer dessas grandes superfícies, agora com o nome de livrarias, é dado à literatura portuguesa. Poesia, ficção e ensaio, incluídos. Do cinema português nem se fala, nem se vê um dvdzinho para amostra. " Não temos, mas podemos encomendar". Música?! "Não passa na rádio. Não conhecemos. Mas podemos encomendar." Estou em crer que não se trata apenas de questões de distribuição ou de divulgação. Trata-se de um preconceito. Uma fraqueza envergonhada. "AH! Estou a ler o último ensaio do lodge e acho sublime o romance do auster" (até pode ser, são muito bons autores, sim, não se discute).Mas e o último livro de poesia de Pedro Tamen, de Fernando Pinto do Amaral? Já ouviram falar? Não, portanto, ler está fora de questão. Romances recentes de autores portugueses? Não, talvez a" Rebelo Pinto, sim, tem imensa graça". Os portugueses leem pouco? Talvez leiam, literatura portuguesa, em língua portuguesa, não leem. Talvez se estivesse embrulhada em tule ou oferecesse uma escapadela romântica? Talvez, se oferecesse, pelo preço de um português três do Stephen King ou da Julie GarWood ou mesmo do Paulo Coelho, é em português, certo? Ler na língua original - o supremo indício de cultura! Ora se for um autor português estará escrito em português, não é verdade? Pois, mas isso não distingue, não ofusca. " Il faut éppater le bourgeois". Nós somos assim, provincianos, encolhidos, envergonhados, agora, miseráveis e tesos. Ler para quê? Gastar dinheiro num bilhete de cinema para ver um filme português? Nem pensar! " E se o vizinho do primeiro andar se cruzar comigo na bilheteira?" "O que direi, quando me perguntarem se já vi o último filme com o Leonardo Di Capprio?"
Toda esta minha verborreia, mais ou menos inflamada, vem a propósito do belíssimo romance de Patrícia Reis, que ninguém leu e do filme de Vicente Alves do Ó, Quinze Pontos na Alma, que ninguém viu. Isto sou eu a falar, claro, que sou portuguesa e gosto de o ser. Sem preconceitos.
(Vá lá, a cultura portuguesa não é uma chatice. Acreditem em mim, que sou do bem!)
L.C.D.