sábado, 17 de outubro de 2015

Speak Low ou como as viroses são coisas boas.



As viroses são coisas boas.
 
 
As viroses são ‘coisas’ – sim, coisas – boas que acontecem nas nossas vidas. Impedem-nos de pensar - alegria, das alegrias - jogam-nas para uma cama, sem dó nem piedade, enrolam-se em nós e deixam em suspenso as questões metafísicas e as indecisões políticas. Agarram-se à nossa cabeça e apertam-na como se não houvesse amanhã: «Vamos lá apertar, agora, que o futuro a Deus pertence!». Delicioso cliché a chá de gengibre! Que felicidade! Durante, pelo menos três dias, não nos preocupamos com a roupa que teremos de vestir, o saldo negativo, as promessas de António Costa, os trabalhos de casa dos miúdos e, até, a melhor maneira de ler o Sermão de Santo António aos Peixes desiste de ser a maior das nossas dúvidas pedagógicas. É tão bom ter uma virose e, se ela, além de brutais dores de cabeça e de corpo, se fizer acompanhar de uma simpática diarreia, então, ficamos descansados e em paz – elegância garantida por mais uns tempos. Há-as de várias cores, tamanhos e medidas, não se compadecem da crise gostam que lhe demos total e completa autonomia e adoram estragar-nos os planos. Se tiver um namorado, convites para passear, livros para ler – a Elena Ferrante ou o Henning Mankell, são bons exemplos – as viroses felizes que, entretanto, ocuparam o lado mais largo da cama facilitam-nos as escolhas – o namorado é uma voz ‘lá longe’, ao telefone, as festas e os passeios aconteceram sem nós e a leitura não saiu da mesa de cabeceira. Mas o melhor das viroses é a compreensão de que a traição, afinal, é uma agradável e tranquilizadora maneira de se estar na vida, passo a explicar:  quem, como eu, por exemplo, durante dois longos anos foi fiel à loucura de umas quantas células, entrega-se, sem qualquer tipo de moralismo ou remorso, ao sorriso da primeira virose que lhe aparecer. Sem delongas, nem grandes cogitações. A monogamia não é mais do que um  preceito burguês da  felicidade. As viroses são democráticas. Assim, coladas às nossas misérias, pijamas ou camisas de dormir vivem connosco momentos de verdadeira e aconchegante agonia, sem percebermos, no entanto, que ‘a vida continua’ e SER depende de um mão cheia de lenços de papel e antipiréticos.
Como é bela a vida! Obrigada, querida amiga por tudo o que fizeste por mim, nos últimos dias, desculpa se te viro as costas, mas tenho ali uma panela de legumes a cozer e uns testes para pensar.
Aproveitem bem as viroses que vos couberem em sorte, porque, durante alguns dias, elas serão a verdadeira razão da vossa existência.





sábado, 10 de outubro de 2015

Um amor civilizado.






Um amor pouco civilizado

E, depois, levas-me a dançar a noite inteira? Proteges-me do açúcar e da tempestade? Tiras o som da televisão quando o vento for uma canção  a roçar-se nos vidros? Vais comigo ao ciclo de cinema francês? Deixas-me usar botas de verniz acima dos joelhos? Não te zangarás comigo, quando as prateleiras da casa de banho forem uma montra de sombras e rimmel? Os domingos de manhã, que passar a dormir não serão, para ti, uma perda de tempo, uma torneira que não veda bem? Se fumar um cigarro à janela, nas noites de lua cheia, não falarás sobre os 'malefícios' do tabaco? Gostarás de bebericar um gin, nas noites mais longas de inverno? Compreenderás a minha irascibilidade na caixa do supermercado? Não me obrigarás a comer sentada à mesa, muito direitinha e com o guardanapo no colo? Perceberás a minha ‘fome’ de solidão e de silêncio? Gostarás das minhas gargalhadas quando trocares as palavras e te enganares a pronunciar o nome de um poeta? Conseguirás deixar de escrever rsss… nas mensagens privadas e parar de me perguntar se estou bem? Entenderás que as raparigas gostam de sair, em bando, sexta-feira à noite? Não sentirás ciúme, quando a minha camisa mais justa cair nos olhos de algum cavalheiro mal disposto? O meu 1, 53cm com 48 kg não serão pretexto para me obrigares a tomar vitaminas? Entenderás que o sexo gosta de dentes bem lavados? Serás capaz de entender que não gosto da conjugalidade na lista das compras? Ouvirás comigo todos os discos do Sabina? Dançarás comigo o slow mais piroso do Tony Carreira? Ou do Frank Sinatra? Cantar-me-ás ao ouvido? Aguentarás as minhas conversas intermináveis ao telefone? Perdoar-me-ás não gostar de futebol, nem de ensopado de borrego? Andar descalça e com pouca roupa pela casa não te deixará constrangido? Não gostar de arroz doce com canela não fará de mim um animal esquisito? A roupa preta que costumo usar não irá sujar o teu sofá branco do Ikea? Obrigar-me-ás a conhecer os teus amigos de infância? Serás capaz de não me perguntar por que não me dou bem com o casamento, nem acredito em  promessas de amor eterno? Sentirás, como eu, que a Amizade é a forma de amor mais verdadeira? E, se eu me esquecer de te telefonar prometes não elaborar uma Teoria Geral Sobre as Regras das Relações Felizes? Esquecerás Veneza? Guardarás Paris num postal ilustrado?

Bem me parecia….É que eu gosto de ir ao cabeleireiro, pinto o cabelo e as unhas, uso perfume no corpo todo e não troco a leitura de um policial por uma cozinha bem arrumada.

Coisas minhas!