(Tu gostavas muito do Jorge, lembraste? Dizias que tinham estado juntos no "exílio".)
Boas noites e um soninho descansado.
Boas noites e um soninho descansado.
( Meu Anjo da Guarda, minha companhia
/guardai a minha alma de noite e de dia.)
Todos temos os nossos mortos.
O Rui e eu.
A última vez que desci contigo as
escadas do Plateau, tínhamos passado a noite a dançar, eu era uma miúda e
líamos com gosto a Confissão de Lúcio, de Mário de Sá Carneiro, estou muito
tranquila a falar destes nomes porque foi contigo, que mais gostei de os
partilhar. Plateau e Mário de Sá Carneiro. – A que mundo pertenceríamos nós? -
Esta madrugada, depois de o ter procurado, em vão, na cidade – Quem? Não sei.
Percebi que nada há de mais injusto e cruel que afundarmos o nosso olhar
distraído num outro olhar qualquer. As palavras valem muito pouco e é quando
sentimos a neblina do Tejo, que percebemos, ali, na Vinte e Quatro de Julho,
com uns vapores de gin no ar, que só precisamos das pessoas que connosco vivem
um desgosto, uma alegria, um piropo. És uma miúda engraçada, dizias-me, tu, meu
querido Rui. Eu acreditava. Ríamos e comíamos um cachorro quente. Discutíamos
as trivialidades da vida e, se eu te dissesse que eram uns olhos azuis que me
tinham deixado a pensar em pecados e afins, dir-me-ias:
- Faz-te ao caminho.
Mas o Rui morreu há oito anos. As vidas resistem aos impostos, aos trabalhos escassos e ruins. À doença, às injustiças, aos desamores, à solidão, resistirei a tanta saudade? O que me apetece dizer-te é: a minha avó tinha olhos azuis, e eu gostava muito dela. A cor dos olhos importa, sim. E tu sabes.
- Faz-te ao caminho.
Mas o Rui morreu há oito anos. As vidas resistem aos impostos, aos trabalhos escassos e ruins. À doença, às injustiças, aos desamores, à solidão, resistirei a tanta saudade? O que me apetece dizer-te é: a minha avó tinha olhos azuis, e eu gostava muito dela. A cor dos olhos importa, sim. E tu sabes.
Corri a cidade. À noite, fora de horas,
e não os encontrei, não vi os tais olhos azuis. Da tal criatura. Nada. A cidade
estava deserta. Sem imaginação, nem fantasias Ninguém. Descobre-se um ou outro
corpo colado ao ego, odiavas esta palavra, Queres em francês? Aí vai: Un seul
être nous manque et tout est depeuplé.
Talvez acredite em ti, Rui. Esta noite, fizeste-me falta, sabes que, agora, não
como cachorros, passo mais tempo sozinha, recomecei a escrever e não há um só
dia em que não pense em ti. Estou um perigo: tive o azar de me deixar
entusiasmar por um par de olhos. Não interessa a cor. Hoje, precisei das tuas
certezas, porque quando me dizias que uns olhos azuis valem tanto como os olhos
de outra cor qualquer, eu acreditava.
De madrugada, vinha do Tejo a neblina
fria de que tu tanto gostavas, podíamos dar as mãos e rir até ao Calvário.
Creio que a amizade é a memória das mãos de um amigo nas nossas.
Creio que a amizade é a memória das mãos de um amigo nas nossas.
- O sexo foi bom? Eu nunca te respondia,
mas tu percebias e deixavas-me em paz o tempo suficiente, para eu organizar os
sentimentos, os livros, a tranquilidade, o quotidiano e a ansiedade.
Fazes-me falta, Rui! Tanta falta!
Estás bem, aí, onde estás? E os olhos azuis que recordarei, com nostalgia, serão os da minha avó. Está prometido. Lembras-te dela? Os miúdos estão a estudar muito e para a semana, recomeçarei uma nova série de exames médicos. A camisa preta que tresanda a tabaco irá para a lavandaria.
Nunca conheci um fumador que odiasse tanto o cheiro a tabaco... Eu deixei de fumar, como sabes. Mas o cheiro entranha-se, quando vamos aos sítios.
Fazes-me falta, Rui! Tanta falta!
Estás bem, aí, onde estás? E os olhos azuis que recordarei, com nostalgia, serão os da minha avó. Está prometido. Lembras-te dela? Os miúdos estão a estudar muito e para a semana, recomeçarei uma nova série de exames médicos. A camisa preta que tresanda a tabaco irá para a lavandaria.
Nunca conheci um fumador que odiasse tanto o cheiro a tabaco... Eu deixei de fumar, como sabes. Mas o cheiro entranha-se, quando vamos aos sítios.
Deixo-te um beijo, Rui.
Mesmo sabendo que limparás a cara com as costas das mãos.
Mesmo sabendo que limparás a cara com as costas das mãos.
( O Rui morreu num dia de
Setembro, estava doente e eu não consegui dar-lhe um abraço, eu sei que ele não
se importou, porque continuamos a conversar e a rir sempre que nos apetece.)
(quase todos os dias desde Setembro de 2008 )